terça-feira, 8 de setembro de 2009

Torga

Na aragem fria da noite
Solta-se aquele grito que dizia teu
E com os olhos vincados na fria sepultura da razão
Colho a semente amarga da paixão!
E do ponto mais alto de Marão
Elevaste-te ao céu,
num dia de tempestade
Com os olhos n`aldeia,
Com um sorriso terno, oculto do mundo,
E sempre com uma flor no coração!
Chamavas o sol, mas ele não viera
E no leito onde jazias
A brancura de um malmequer não te deixou!
E a noite chegou, antes do tempo
E com o teu obstinado amigo
Ao prematuro encontro te levou.
E ele que é o Deus de todos nós
Invade a solidão de um solitário
Em pleno serão imaginários!
Agora que a noite é calma
Oiço o bater da chuva na escuridão
E com os olhos repletos de lágrimas
Vou ao encontro do sonho
Que era teu
E agora é meu!
Ana Ferreira(1994)

Recusa

Fecho-me agora,
Neste mundo de recusas
Sem que ninguém nele possa entrar.
Sou bicho, quero a mata escura
E o grito selvagem da solidão!
Entrego-me hoje, a esta tribo
Da qual tu não fazes parte
Eu sou nativo, fugitivo, alma do sol nascente
A querer o silêncio amargo
Que é a morte antes de se morrer.
Não, não, sou eu
Tal como nasci
Solta-se o sangue num rio escuro
E o corpo amortalhado cai na lama do que vivi.
E o eu com que nasci
Flutua num mar sem ondas
E o mundo onde vivi
Levou-me a este pranto que hoje sou!
Ana Ferreira(1995)

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Rouxinol

Sou um mero rouxinol azul
E no meu canto matinal
Acordo o mundo, de um sono sobressaltado e demorado!
E canto cada vez que o sol raiar
Canto, o meu canto fúnebre
Neste leito que é só meu!
Porque a criança que fui um dia
O quis assim
E traçou este meu destino
Este meu calvário…
Só porque abri os olhos
Numa manhã submersa de medo
E já não era criança!
Era então um rouxinol
Que ao acordar o seu chilrear
Transforma o sonho de outra criança
Que também ela, medrosa, teima em não acordar!
No entanto,
Consegui lembrar a minha infância
E sou feliz por ser rouxinol
Onde a arrogância dos homens não tem lugar.
Sou aquele fruto mal carpido
Que o sol esqueceu de amadurecer!
Mas sou antes de mais
Um sonho, sonhado em dia
Por alguém tal como eu
Que o mundo esqueceu!
E porque a minha revolta é comparada
A um malmequer:
- Pequena mas bela!
Eu sofro sozinha, incansavelmente à espera
Que o mundo se revolte.
No entanto sei,
Que posso esperar a minha morte
Tal como fizeram os meus mestres
Porque o mundo está cego
E os rouxinóis são muito poucos!
Ana Ferreira(07/03/96)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Enclausurado

Sinto vida nos teus olhos
Sinto ainda um pouco de alegria por descobrir.
Queria poder vasculhar a confusão que é teu ser
Olhar no mais profundo dos teus olhos e
Sentir um pouco da tua energia.
Tu és como o vento
Sem certezas,
Vais para onde a vida te levar
E és como a luz na madrugada…
És pássaro livre
Atormentado com tão pouca liberdade!
Talvez sejas aquele
Que nunca pensou no sonho de criança
E se limita à liberdade escassa de uma gaiola…
Talvez não saibas que é possível voar
E que o teu olhar não consegue abranger
Toda a paisagem límpida
Que apenas te limitas a passar os olhos
Quando passas pela janela.
E nunca paras, para sentir
Profundamente a serenidade da natureza!
Pára… olha à tua volta
Há um céu imenso à espera que levantes voo
Voa da tua gaiola, tens espaço
Tens vida, sê livre, LIVRE!
Ana Ferreira (1993)